Brasil está maduro para mudar de fase no setor de jogos eletrônicos

29/08/2023

Este conteúdo foi originalmente publicado em Brasil está maduro para mudar de fase no setor de jogos eletrônicos no site Jota.

 

O mercado de games e de fantasy sports trabalha no universo lúdico e do entretenimento. Os jogos que povoam o imaginário de pessoas de todas as faixas etárias, gêneros, crenças e países são a ponta visível de uma indústria de gigantes, que gera emprego e renda a milhares de pessoas e investe de maneira consistente em tecnologia, pesquisa e inovação. Por isso mesmo, é tão suscetível aos movimentos econômicos, como a perspectiva de redução continuada da taxa de juros básicos da economia e a aprovação da reforma tributária no Senado.

 

Fatores que, aliados à aprovação no Senado do Marco Legal dos Games (PL 2796/21), poderão elevar nosso mercado a um outro patamar de desenvolvimento contínuo. A sinalização dada na primeira semana de agosto pelo Comitê de Política Monetária (Copom), não apenas de reduzir em 0,5 ponto percentual a atual taxa Selic, mas de apontar que essa é uma tendência a ser mantida nos próximos meses, nos deixou mais animados.

 

Juros mais compatíveis vão atrair de maneira mais consistente os grandes investidores e fundos internacionais para apoiar o mercado nacional de jogos eletrônicos. Estamos falando de um setor composto, basicamente, por startups criadas por jovens, muitos deles sequer com formação universitária completa, que precisam de apoio e investimentos para tirar seus sonhos juvenis do papel e materializá-los na realidade.

 

Os juros são um componente importante nessa equação, mas um sistema tributário que não asfixie investimentos é tão essencial quanto. E aí cresce a preocupação com o texto da PEC 45, a reforma tributária, aprovada na Câmara e que agora tramita no Senado. Não há como discutir que o Brasil precisa modernizar o seu sistema tributário, que representa entre R$ 280 bilhões a R$ 320 bilhões no custo Brasil, avaliado em R$ 1,7 trilhão pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC) e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

 

Mas a PEC que será analisada pelos senadores praticamente dobra a carga sobre o setor de games. Pela proposta, a alíquota máxima do Imposto sobre Valor Acrescentado, o IVA, ficaria em 25%. Com as exceções a diversos setores incluídas na Câmara, a expectativa, segundo o IPEA, é que essa alíquota chegue a 28%. Como o ISS cobrado pelos municípios tem alíquotas que variam de 2% a 5%, e o PIS e a Cofins têm alíquotas que, somadas, perfazem 9,25%, a soma deles oscila entre 11,25% e 14,25% da receita.

 

Na prática significa que, na margem máxima de alíquota, a carga tributária do setor praticamente dobraria, impactando na geração de novos empregos e na capacidade de novos investimentos em um mercado promissor, que pode crescer até 120% ao longo dos próximos três anos.

Nesse contexto, é vital uma calibração melhor dessas alíquotas para o setor de games, a partir da compreensão de estarmos diante de um seguimento que dialoga não apenas com a indústria de entretenimento, mas também em áreas como a saúde (sobretudo nos jogos utilizados como alívio no tratamento de crianças com câncer); educação (uma ferramenta de ensino essencial para tornar as aulas mais atraentes) e nos treinamentos profissionais (como os simuladores de voo das grandes companhias aéreas).

 

Também é importante um processo de desoneração da folha de pagamentos do setor de serviços, estimulando a contratação e atração de mão-de-obra qualificada para um mercado extremamente dinâmico e inovador, dependente de pesquisas em ciência e tecnologia. E uma reforma administrativa que torne o Estado mais eficiente e menos inchado, qualificando o gasto público. Desta maneira, elimina-se a necessidade de aumento da carga tributária, dando fôlego para o crescimento sustentável da economia.

 

Juros mais baixos e impostos mais justos são variáveis importantes para o setor de jogos. Mas o grande colchão estruturante para impulsionar o mercado é a aprovação do Marco Legal dos Games. É ele quem dará transparência, segurança jurídica e tornará o setor irresistível para os investimentos externos. É ele que diferencia os games dos jogos de azar e cria regras para investimentos e qualificação da mão de obra. É ele quem vai carregar nas mãos, para o alto, um mercado que já é o maior da América Latina e o décimo do mundo.

 

O Brasil quer e pode mais. O país tem condições de ser o terceiro maior mercado consumidor mundial. No planeta, 40% da população se declara praticamente de jogos eletrônicos. No Brasil, esse percentual é de 74%. O país está tão próximo de gabaritar e mudar de nível. Como naqueles jogos de fases infinitas, o futuro brasileiro é longo e animador. Mas é preciso vencer essa tramitação no Senado, zerando essa etapa do jogo e preparar o Brasil para os futuros desafios que virão nas próximas fases.

 

RAFAEL MARCHETTI MARCONDES – Professor de Direito Esportivo, de Entretenimento e Tributário. Doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. MBA em Gestão Esportiva pelo ISDE de Barcelona (Espanha). MBA em gestão de apostas esportivas pela Universidade de Ohio (EUA). Chief Legal Officer no Rei do Pitaco. Presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS). Diretor Jurídico do Instituto Brasileiro pelo Jogo Responsável (IBJR). Diretor de Relações Governamentais da Associação Brasileira de Defesa da Integridade do Esporte (ABRAIE)